“Sinto-me sujo como uma bolota, debaixo de um porco sentado”.
Foi com esta frase que o Zé Diogo interrompeu o silêncio.
Não era um silêncio imposto, nem sequer desconfortável. Era uma ausência contemplativa. Bebíamos um chá de hortelã, na explanada de um hotel qualquer em Casablanca. Este foi o único luxo a que nos demos, durante as 2 semanas de viagem. Tínhamos acabado de subir o Toubkal (4.165m) de bicicleta, com apenas duas mudas de roupa, e as mochilas carregadas com os bens mais básicos da sobrevivência humana. Nunca, durante estas 2 semanas, os nossos corpinhos viram banho. Nunca, durante estas 2 semanas, as nossas costas deitaram em algo que se assemelhasse, ainda que remotamente, a um colchão. Estávamos extenuados mas realizados. A sensação de imundice era bem próxima da descrita na comparação do Zé Diogo. Imagino quanto tempo terá estado a pensar, em silêncio, numa forma de a descrever com precisão.
Ao mesmo tempo, a sensação de realização pessoal preenchia-nos de tal maneira, que nos sentíamos imaculados.
Sem sabermos, tínhamos acabado de realizar, provavelmente, o melhor ensaio geral do projecto Ice Care.