21/11/2007

2015


Estava no meu quarto de hotel, no Savoy Boutique em Tallinn, tinha chegado à Estónia há 2 dias, em trabalho. Às 5 da tarde era noite e estavam 4º negativos lá fora. Tinha 2 horas até ao jantar e decidi agarrar-me ao projecto Ice Care (que na altura não tinha ainda nome).
Criei um ppt a que chamei Kilimanjaro e abri um ficheiro a que chamei Sports for a Cause.
Comecei a preparar toda a argumentação para os nossos apoiantes – fossem quem fossem.
Preparei tudo em inglês. Alimento uma remota esperança que a iniciativa possa atingir uma escala internacional. Gosto de trabalhar no mais frio realismo...mas ocasionalmente deixo-me deambular por sonhos de megalomania – acho que não tem mal nenhum.

Só nessa altura é que comecei a inteirar-me realmente daquilo que se passa no Kilimanjaro.

A primeira coisa que descobri foi a razão do apelido ‘eternas’ – o facto é que as neves do Kilimanjaro existem há mais de 12.000 anos.

Lonnie Thompson, professor de ciências geológicas na universidade de Ohio, tem realizado várias expedições ao cume, para avaliar a extensão do fenómeno.
Nas suas palavras, a expedição de 2002 foi como “...visiting a sick friend in failing health.”

Segundo as previsões resultantes da última expedição, os glaciares terão desaparecido integralmente entre 2015 e 2020, vítimas, pelo menos em parte, do aquecimento global.

Aparentemente a questão é mais complexa do que eu pensava à partida.
O professor Thompson coloca a questão: “What will happen to the water supply for these people when the glaciers disappear?”
Este não é um caso de extinção de uma espécie qualquer de animais, mas de um ecossistema vivo e das reservas de água de várias populações locais, que não terão outro remédio senão abandonar as suas casas, na altura em que o último glaciar desaparecer.

O mundo irá começar a assistir ao nascimento de um novo tipo de refugiados?
Entraremos na era dos eco-refugiados?

Os timings são alarmantes. Temos menos de 7 anos para inverter ou pelo menos atenuar esta catástrofe ecológica.
Isso passa pela alteração imediata, efectiva e permanente de comportamentos.
Tal como nas campanhas de prevenção do HIV, deveriam ser divulgados comportamentos de risco ecológico.

No final do trabalho enviei o primeiro draft do ppt ao Zé Diogo que gostou muito....eu nem tanto – acho que está ainda fraco.

Saí para jantar. Em Tallinn tudo é perto, mas mesmo a curta distância deu para enregelar os dedos das mãos, nariz e orelhas. Pensei na subida do Kilimanjaro, pensei no frio junto aos glaciares – contrai os músculos e adoptei a atitude, sempre falível, de que o frio é psicológico – senti-me melhor durante alguns segundos...

No jantar dessa noite, discuti com os meus colaboradores locais, a percepção que tinham sobre o fenómeno de aquecimento global.
Para mim estava um frio de rachar, mas para eles as alterações eram evidentes.
Mas mais uma vez eram sensações, não mais do que isso, que caiam no vazio entre a percepção empírica dos dias mais quentes e a vaguíssima referência de gráficos científicos.
Lembro-me de pensar que seria interessante se cada país pudesse identificar as suas próprias neves do Kilimanjaro, se a população de cada país pudesse observar os efeitos do aquecimento em ícones locais. Muito poucos podem, na realidade fazê-lo.
O objectivo do projecto Ice Care, é identificar 5 pontos do globo, onde o aquecimento global seja visível a olho nu, palpável e instalar barómetros simples. É urgente chamar a atenção da comunidade não-científica – isso só é possível utilizando instrumentos de medição não-científicos.